segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cientistas enxergam “Vacina Cognitiva”... após 25 anos!


Aqui estou eu novamente discursando acerca da importância da simplicidade na ciência!
Um grupo de cientistas da Universidade de Oxford publicou no início deste ano um artigo relatando um experimento, no mínimo, curioso: testar o efeito do popular jogo “Tetris” – desenvolvido há 25 anos – na redução dos flashbacks característicos do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), tendo em vista dois pressupostos científicos: 1) O cérebro possui recursos de processamento limitado; 2) Evidências da neurobiologia sugerem que a consolidação da memória é um processo que necessita de aproximadamente 6 horas. Então, no caso de TEPTs relacionados a eventos visuais traumáticos, estímulos visuespaciais concorrentes (como o “Tetris”) podem interferir na consolidação da memória visual traumática, reduzindo a frequência dos seus flashbacks involuntário, sem, contudo, prejudicar a evocação da memória voluntária. Os autores do artigo chamaram esse recurso de “vacina cognitiva”, por ter demonstrado eficácia e não ser invasivo.
Você provavelmente nunca havia pensado neste incrível potencial de um jogo tão simplório como este. Assim como você e eu, inúmeras pessoas, do mundo inteiro, jogavam (e continuam jogando) Tetris sem pensar em nada além do próprio jogo, muitas vezes com o único objetivo de se distrair silenciosamente durante uma palestra, aula, sermão, ou seja lá o que mais possa ser chato.
Ai está a incrível beleza de ser um cientista: enxergar, nas coisas simples e corriqueiras do cotidiano humano, algo que as demais pessoas nunca viram, pesquisar e então chegar a uma conclusão, que pode até ser contrária à hipótese inicial, mas ainda assim é original. Quantos benefícios podem estar mascarados pela afirmação “só pra distrair um pouco” no jogo de Sinuca, Paciência, Pinball, enfim... Como saber? Simples! Fundamente teoricamente uma hipótese, monte um experimento inteligente e prático, e mãos à obra!
Claro que ainda precisam haver mais pesquisas para corroborar estes resultados obtidos, contudo, o que podemos destacar como importante neste momento, é que um novo passo foi dado, abrindo novos horizontes para a pesquisa simples e útil.

Observação: Leia o artigo dos pesquisadores de Oxford;
HOLMES, Emily. JAMES, Ella. COODE-BATE, Thomas. DEEPROSE, Catherine. Can Playing the computer "tetris" reduce the build-up of flashbacks for trauma? A Proposal from Cognitive Science. PLoS ONE, vol. 4, nº 1, 2009. Disponível em: http://www.mysticcool.com/Research/Can%20Playing%20the%20Computer%20Game%20Tetris%20Reduce%20the%20Build-Up%20of%20Flashbacks%20for%20Trauma.pdf

A Neurociência e o paradoxo Idealismo-Materialismo


Em filosofia existem duas grandes vertentes para interpretar a realidade. A primeira vem a ser o Idealismo, derivada dos diálogos do filósofo grego Platão, que concebe a verdadeira realidade como somente sendo acessada através do “Mundo das Idéias”. Já a visão Materialista Dialética Histórica, desenvolvida mais propriamente pelo sociólogo Karl Marx, postula que o pensamento é criado a partir das relações que estabelecemos com o concreto, logo, a realidade depende do material.
Peço já desculpas aos filósofos interanautas, pois tenho certeza que minha descrição está bastante limitada, mas meu objetivo aqui não é discutir filosofia propriamente dita, mas demonstrar que estas duas visões são completamente opostas uma à outra... Ou será que não?
A questão mente(idealista)-cérebro(materialista) vêm demonstrando que esta separação está equivocada, pois, apesar de todo fenômeno ser material, ainda assim a vertente materialista não está totalmente correta, nem tampouco a idealista.
As evidências neurocientíficas estão demonstrando que não há nenhuma “alma inteligível” (ou “Fantasma da Máquina”, numa linguagem mais atual) que acessa o “Mundo das Idéias” e interpreta a realidade (como diriam os idealistas clássicos), nem que nosso cérebro é uma “tábula rasa” passiva à percepção da concretude material externa (segundo os materialistas embasados em Marx). A “matéria” que cria a “idéia”, não está fora do corpo humano, afinal, de nada adiantaria existir uma pedra, se nosso cérebro não respondesse processando ativamente a informação acerca da existência da pedra, um processamento que envolve neurotransmissores, que são a real matéria das nossas idéias.
Neste nível mais fundamental, podemos concluir que “idéia” e “matéria” não são coisas diferentes, nem que estão “profundamente interligadas”... São óbvia e simplesmente a mesma coisa!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Onde está a Subjetividade?


A descoberta de um circuito físico que controle nossa consciência é considerada por muitos pesquisadores como o “Graal da Neurociência”, isso porque a investigação científica deste fenômeno é extremamente complexa (mas já existem artigos publicados em grandes revistas) em função do risco de confundi-lo com, por exemplo: memória, emoção, atenção, linguagem, ambos necessários para a noção de subjetividade. Provavelmente, aquele pesquisador, ou grupo de pesquisadores que identificar tal mecanismo estará fadado ao Prêmio Nobel.
Em virtude desses fatos, se você me perguntar – hoje – onde está essa nossa consciência de si e do mundo; em outras palavras: “onde está a subjetividade?”, no sentido de localizar o mecanismo exclusivo responsável por ela, eu não saberia responder. Contudo, se seu interesse for menos específico, pedindo que eu apenas indique o local em nosso organismo onde a subjetividade se encontra, eu responderia, com extrema convicção e embasamento científico: no Cérebro!
Isso pode parecer muito óbvio, para o leitor antenado. Mas há um forte motivo que me estimulou a escrever tal esclarecimento. Não apenas o público cientificamente leigo, como também alguns profissionais da saúde (que deveriam ter a obrigação de saber isso) entendem a subjetividade como sendo algo “para além do cérebro”. Quanto além? O que é essa “coisa” além do cérebro? Não sei, eles nunca respondem.
Quando ouvimos esse tipo de coisa, podemos saber que estamos novamente diante da “negligência do óbvio”. Ou seja, a elaboração de explicações totalmente extrapoladas para coisas óbvias. Dizendo isso de outra forma: um desperdício de palavras!
Em função da incessante busca pelo “Graal da Neurociência” e dos milhares de dóllares investidos nessa corrida, é provável que o mecanismo específico da consciência seja descoberto em algumas poucas décadas. Contudo, gostaria de finalizar este texto ressaltando que, independente disso, um fato que todos nós precisamos ter em mente, devido a todas as demais informações que possuímos sobre neurobiologia da memória, emoção, linguagem, atenção, enfim, é que a subjetividade é fruto, única, simples e obviamente do processamento cerebral. Recebe influência do meio social, da cultura, e de tudo mais, com certeza. Mas ainda assim, quem processa tudo isso e transforma esses output em imput subjetivo é nosso cérebro! O que ele não processa, nós não somos!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

COMO E PORQUE DIFERENCIAR O “COMO” DO “POR QUE”?


Existe uma enorme confusão (tanto por parte de cientistas, quanto do público leigo) quanto à correta utilização de termos do tipo “Como” e “Por quê”. Um engano que, contudo, nunca passa despercebido aos olhos de um evolucionista. Isso porque o “como” está relacionado às causas proximais de um fenômeno, como descrito primorosamente por Steven Pinker na primeira parte de seu livro “Como a Mente Funciona” (originalmente “How the mind Works” (1997)), onde ele busca descrever os mecanismos computacionais que regem nossas cognições. Em contra-partida, o “Por quê” é um termo que se refere às causas finais, mais relacionado à segunda parte do livro de Pinker, onde ele vai descrever as principais pressões evolutivas que moldaram os sistemas computacionais descritos na primeira parte. De fato, ele vai explicar “porque” a mente funciona da forma “como” funciona.
A literatura evolucionista serve de exemplo para o uso adequado da terminologia: “Por que os homens jogam e as mulheres compram sapatos?” (originalmente: Why beautifull people have more daughters? (2006)) escrito por (na realidade) apenas Satoshi Kanazawa (pois, como relatado no prefácio, o outro autor identificado: Alan Miller era um eminente pesquisador na área, e colega de Satoshi, mas faleceu antes sequer que o livro começasse a ser escrito, contudo seu nome foi colocado como forma de homenagem, afinal a idéia de escrevê-lo foi dele) vai descrever diversas pressões evolutivas que moldaram diferentes comportamentos humanos (desde gênero, à religião, passando por relações familiares e agressividade). Em “Por que Mentimos” (originalmente Why we Lie (2004)), David Livingstone Smith descreve porque os mecanismos tanto de mentira, quanto de detecção da mentira estão presentes em todos nós e quais os imperativos evolucionistas atuaram para nos deixar esta marca. Em outros dois livros que abordam temas idênticos: “Por que amamos” (originalmente Why we Love (2004)) de Helen Fisher e “Por que nos Apaixonamos” (originalmente Comment devient-on amoureaux? (2004)) de Lucy Vincent, tratam tanto do “como” (através das descrições dos sistemas neurais envolvidos nas diferentes fases desse sentimento) como também do “porquê” (explicando as razões evolucionistas de cada estado amoroso).
Em função dessa terminologia evolucionista, que atualmente se aplica a todas as ciências, quando se formula uma pergunta do tipo “Por que o bocejo é contagioso?” a resposta que você precisa fornecer pode até contemplar o mecanismo neural que controla tal comportamento, mas o fundamental é esclarecer justamente “por quê?” tal mecanismo “sobreviveu” à seleção natural e se manteve até hoje em nosso cérebro.
É... Daqui para frente, sempre que você assistir à propaganda da TV Futura dizer: “São as perguntas que movem o mundo, não as respostas” vai concordar plenamente, afinal, de fato, dependendo da pergunta, a resposta pode ser totalmente diferente.

domingo, 15 de novembro de 2009

A Beleza do Óbvio


“Uma das alegrias da ciência é de vez em quando ver um padrão que revela a ordem do que inicialmente parecia caótico.” (p. 71)
Esta foi a frase mais admirável do livro cuja leitura acabo de concluir. Trata-se de “A História de quando éramos peixes” (originalmente “Your Inner Fish” (2008)), do paleontólogo expedicionário Neil Shubin, lançado no Brasil pela editora Campus.
A obra trata basicamente das relações filogenéticas, comparando diversas regiões anatômicas entre as espécies, demonstrando as inúmeras evidências do processo evolutivo, que cegamente adaptou diferentes formatos de ossos e órgãos às diferentes necessidades das espécies, de maneira que hoje podemos dizer que herdamos, por exemplo, soluços e hérnias de nossos parentes peixes.
Mas o que eu queria mesmo comentar sobre esta obra (por sinal, de leitura altamente recomendável) é que é muito bonito ver um autor descrever, com qualidade (no estilo “divulgação científica”) tantas informações relevantes em pouco mais de 170 páginas.
A obviedade dos fatos também é impressionante. Enquanto ele está relatando as pesquisas (ele é bem detalhista nessas partes) você vai processando os problemas em seu humilde cérebro, em busca de uma solução inteligente para os dilemas com os quais se depararam vencedores do Prêmio Nobel, e quando enfim chega ao resultado final, você pensa duas coisas: “Claro! Puxa, como não pensei nisso?” ou então (para que os fãs do Chapolin possam rir um pouco) “Era exatamente o que eu ia dizer!”.
Ou seja, quando lemos a resposta para um problema científico complexo, ela muitas vezes nos parece óbvia, e muitas vezes de fato o é: contudo, precisou haver um gênio entre milhares, para decifrar esse obviedade. Quem não acha super divertido, sacudir uma caixa de cereais matinais típicos para humanos na frente do cachorro domesticado, que já fica balançando o rabinho (quando tem, né?) e pulando afobado sobre a tigela vazia de ração, pensando que você vai lhe dar comida? Cena bonitinha, né? E óbvia também, né? Afinal, ele deve ter associado o barulho (que parece com o de ração) com comida, e por isso se comporta dessa forma! Puxa, que legal! Se você tivesse apresentado essa teoria (e provado) em 1903, teria ganhado o Prêmio Nobel em fisiologia, no lugar do barbudo Ivan Pavlov! Podemos citar, inclusive, a Teoria da Evolução por Seleção Natural (e “Sexual”, muita gente esquece dessa)! Um construto tão óbvio e ainda assim elegante, ao ponto de Daniel Dennett e outros eminentes filósofos da ciência terem proclamado que Charles Darwin teve “A melhor idéia de todos os tempos!”.
O que estou querendo dizer aqui é que uma explicação bonita (para qualquer fenômeno) não necessariamente é misteriosa e cheia de floreios, que diz muitas coisas sem dizer nada, que se considera “incapaz de contemplar o fenômeno em sua totalidade” (ou seja, não sabe responder!). O próprio Richard Dawkins abre seu livro “Deus: Um Delírio (no original: “God Delusion” (2006)), citando Douglas Adams: “Não é o bastante ver que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas escondidas nele?”. Um conselho: Diante de evidências, dê mais valor à beleza da obviedade!


sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Uma Infeliz Necessidade

Vejo com muita tristeza a necessidade crescente no mundo todo, e bastante recente no Brasil, de enfatizar a “Ciência baseada em Evidência”. Devo dizer que minha desilusão não se refere ao fato em si – afinal, nada mais correto do que difundir este paradigma – mas sim à necessidade de fazê-lo.
Parece tão óbvio que a ciência precisa ser embasada em evidência, contudo, vemos com grande frequência, práticas médicas invalidadas ou mesmo medievais, vertentes psicoterapêuticas sem embasamento empírico, teorias pedagógicas ultrapassadas, linhas de pesquisa sociológicas e antropológicas que vão contra evidências evolucionistas, autoras de best-sellers famosos internacionalmente divulgando que “a ciência prova que o pensamento positivo tem mais força que o negativo”... Enfim, até que ponto nós chegamos, quanto à compreensão e aplicação de o que é “Ciência”?!
Richard Dawkins, em diversas conferências (principalmente nas relacionadas à divulgação de seu penúltimo livro: “Deus: um delírio”) enfatiza sempre que a “ciência é uma crença embasada em evidência” enquanto que “religião é uma crença na ausência de evidência”. Ele está totalmente correto, mas eu ampliaria mais o leque da segunda categoria, expandindo para além dos ritos religiosos propriamente ditos, e incluindo algumas práticas sutis da Medicina, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, Antropologia, enfim, que discretamente mascaram a inexistência de evidências que embasem sua prática.
Sim, apesar de ser vergonhoso, é totalmente necessário difundir para a população e também para os profissionais, o que é “Ciência”, e os critérios que ela precisa ter para se manter como tal.

sábado, 7 de novembro de 2009

Apresentação


Seja bem-vindo ao blog “Filosofando com Ciência” que, como o próprio nome confessa, irá apresentar discussões filosóficas acerca da ciência, especificamente envolvendo a Neurociência, a Psicologia, a Genética, e a Teoria da Evolução, articulando tanto com eventos atuais, como também as associando com ambientes onde tais conhecimentos geralmente não estão conscientemente presentes para a grande maioria das pessoas, como no caso das Artes.
Apesar do cuidado em apresentar dados e fatos reais, divulgados na literatura especializada, o objetivo deste espaço não é apresentar um discurso formalizado nos padrões científicos clássicos (ao contrário, por exemplo, do meu website de divulgação científica: http://www.psye.com.br/) mas sim, uma de minhas principais metas será, com base na ciência, provocar o leitor a discutir os sintéticos “posts”, incentivando a reflexão crítica e, espero, bem-humorada, de temas muitas vezes polêmicos.