sexta-feira, 27 de maio de 2011

DOCE COMO UM ROMANCE... ROMÂNTICO COMO UM DOCE


A excêntrica personagem Barbara Novak, interpretada pela atriz Renée Zellweger no filme “Abaixo o Amor” (Down With Love, 2003) lança um Best-Seller capaz de convencer temporariamente uma enorme população feminina dos anos 60 de que o amor era desnecessário e que as mesmas sensações psicológicas poderiam ser despertadas pelo chocolate. De antemão aviso que a posição desta personagem não está totalmente errada, tampouco totalmente certa. O que aconteceu foi apenas um deslize do roteirista, que ignorou o fato de os estudos científicos do amor terem começado a ser desenvolvidos apenas na segunda metade da década de 70 e, as investigações com neuroimagem (responsáveis pela descoberta da correlação amor-chocolate) só começaram em 2001, 40 anos depois da época em que a história do filme se passa. Logo, podemos dizer que Barbara Novak, na melhor das hipóteses, estava blefando – um bom blefe, é como eu o definiria –, pois ela não teria como ter a menor idéia sobre isso naquela época (apesar de que para lançar Best-Sellers de autoajuda com “idéias científicas” não precisa de conhecimento científico real).
“Então quer dizer que é verdade? Amor e chocolate são a mesma coisa, no cérebro?”. Para responder isso é só pensar na seguinte situação: ignore qualquer tipo de voto de castidade já feito e, mentalmente, decida se prefere: 1) Ganhar um chocolate do tipo feito por Willy Wonka, cujo volume nunca diminui – por mais que você coma – o gosto se mantenha sempre o mesmo (uma delícia!), e que não tenha data de validade; ou 2) Um(a) companheiro(a) para quem dar e de quem receber amor. Acredito que a maioria irá escolher a segunda opção, mesmo sabendo que uma relação amorosa se desgasta, não tem o mesmo gosto sempre e pode ter um prazo de validade curtíssimo. Isso quer dizer que, se “amor” e “chocolate” fossem a mesma coisa, poderíamos esperar que 50% escolheriam a primeira opção, e o demais a segunda. Se esta divisão uniforme não acontece, isso significa que as duas coisas são mesmo duas coisas, e não uma só.
Contudo, isso não significa que “chocolate” e “amor” sejam TOTALMENTE diferentes. De fato, estudos de neuroimagem funcional (método que registra a atividade cerebral em tempo real, e assim permite mapear regiões do cérebro que ficam ativas ou inativas diante de determinado estímulo) evidenciaram algumas semelhanças significativas entre ver a pessoa amada, e comer chocolate. Para ilustrar isso, eu vou descrever aqui dois elegantes estudos, um deles foi pioneiro na compreensão dos efeitos do chocolate no cérebro, o outro foi fundamental para esclarecer os circuitos neurais do início de um grande amor.
O interessante – e delicioso – estudo feito pela McGill University, com participação do neuropsicólogo e professor natural da Argentina: Robert Zatorre quis evidenciar as bases biológicas da vontade e da saciedade, utilizando barrinhas de chocolate como estímulo. O experimento funcionou da seguinte maneira: primeiro, era oferecida uma barrinha de chocolate para o sujeito voluntário da pesquisa, que comia o chocolate, e em seguida preenchia uma escala que variava de -10 ("se eu comer mais um pedaço de chocolate vou passar mal") a +10 ("Quero muito outro pedaço de chocolate"); na sequência, eles eram submetidos a um processo de neuroimagem cerebral, e por fim recebiam mais um pedaço de chocolate. Este procedimento se repetia até que cada sujeito marcasse o -10, ou seja, até que cada um ficasse extremamente enjoado de comer chocolate. Esta pesquisa ganhou destaque porque descortinou dois sistemas de motivação no cérebro humano: o do prazer, que nos motiva a buscar o estímulo (no caso, o chocolate) e querer sempre mais; e o da dor, que nos motiva a evitar o estímulo e desejar sempre menos. Cada um destes sistemas tem uma correlação neuroanatômica diferente. Em resumo: uma das regiões que se descobriu envolvidas na motivação pelo prazer foi o chamado circuito de recompensa, há muito já identificado e estudado, e que está por traz, entre outras coisas, dos vícios e hábitos arraigados. Em contrapartida, uma região específica do cérebro chamada de “córtex retrosplenial” ficou ativa no momento em que os sujeitos estavam saciados, demonstrando ser um importante componente do sistema de motivação pela dor.
Já o segundo artigo sobre o qual quero comentar, realizado na Rutgers University, com participação da eminente antropóloga e neurocientista Helen Fisher, procurou investigar a neurobiologia da fase inicial do amor. Para isso recrutaram um total de 17 sujeitos voluntários, todos envolvidos em relações amorosas intensas e recentes (de 1 a 17 meses in love). Cada um foi convidado a entrar na máquina de ressonância magnética funcional, enquanto os cientistas registravam o padrão da ativação cerebral deles diante de dois tipos de estímulos: 1) a foto da pessoa amada; 2) a foto de alguém que conheciam, mas por quem não estavam apaixonados. Assim, os pesquisadores conseguiram isolar e descrever as bases neuroanatômicas relacionadas à visão da pessoa amada. E o que eles descobriram? Lá estava o Sistema de Recompensa (sim, o mesmo do chocolate), tão brilhante como nunca. Este sistema é que nos faz sentir o impulso de buscar sempre quem amamos.
Em outros estudos realizados pela Helen Fisher, ela descobriu que o desgaste na relação amorosa ativa – da mesma forma que na saciedade ao chocolate – o córtex retrosplenial, porém, em contrapartida, os casais que se mantém apaixonados ao longo de vários anos são aqueles que conseguem manter a ativação do sistema de recompensa. E como ativamos este sistema? Mudando sempre! Nunca nos deixando cair na rotina, em outras palavras, surpreendendo o outro e a si mesmo a cada instante, evitando o estado de saciedade.
Estes estudos demonstram o papel fundamental do sistema de recompensa na motivação pelo prazer, tanto ativado pelo chocolate, quanto pela pessoa amada, bem como o córtex retrosplenial na motivação pela dor, também ativado por ambos os estímulos. É claro que para cada uma das situações, há outras várias regiões cerebrais envolvidas (que não convinha ficar descrevendo aqui) afinal, como vimos: amor e chocolate não são a mesma coisa. Mas a idéia de que “nos derretemos” todo quando recebemos chocolate da pessoa amada faz sentido diante das evidências, pois é como se estivéssemos ativando duas vezes mais o nosso sistema de recompensa.
Ai vai uma dica para a comemoração do “Dia dos Namorados”: o chocolate tem realmente a propriedade de apimentar, quer dizer, adoçar um romance! Mas não basta simplesmente presentear com chocolates. Analise sua relação, veja o que você está fazendo para melhorá-la, torná-la mais surpreendente e naturalmente agradável. Porque senão, o sistema de recompensa vai até ser ativado pelo chocolate, mas quando isso acabar, o retrosplenial entrará em cena novamente, e pode vir munido com o objetivo de anunciar o final do espetáculo!

Referências

1. ARON, Arthur. FISHER, Helen. MASHEK, Debra. STRONG, Greg. LI, Haifang. BROWN, Lucy. Reward, Motivation, and Emotion System Associated with early-stage intense romantic love. J Neurophysiol, vol. 94, 2004.
2. FISHER, Helen. Por que Amamos. Rio de Janeiro: Record, 2006.
3. SMALL, Dana. ZATORRE, Robert. DAGHER, Alain. EVANS, Alan. JONES-GOTMAN, Marilyn. Changes in brain activity related to eating chocolate: from pleasure to aversion. Brain, vol. 124, 2001.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Nossa Natureza Ciumenta


Quando vemos cenas como as divulgadas no dia 10 de Maio referente ao jovem de 18 anos que foi espancado e esfaqueado com por outros rapazes (a maioria já detidos) devido ao ciúme, na saída de uma boate de Jaraguá do Sul – Santa Catarina, despertamos em nossa mente o instantâneo questionamento acerca do porquê de tal comportamento brutal.
Para responder a isso, eis que surgem vários especialistas que tentam explicar este comportamento como sendo resultado da falta de limites dos pais e da sociedade contemporânea. O que eles não conseguem explicar é que atos violentos e/ou assassinatos movidos por ciúme são uma realidade em todas as culturas humanas, em todos os tempos da humanidade, independentes da forma como os filhos são criados.
O ciúme é um sentimento extremamente primitivo, altamente adaptativo e muito importante para o comportamento sexual de uma série de exemplos do reino animal (incluindo nós seres humanos). Ele tem a função de monitorar e assegurar a confiança do(a) parceiro(a), sendo engatilhado por estímulos diferentes entre os gêneros. Pesquisas de extremo reconhecimento científico já comprovaram que, em média, o ciúme masculino é desencadeado por sinais de infidelidade sexual, enquanto que o ciúme feminino é desencadeado por sinais de infidelidade afetiva. Isso quer dizer que os homens ficam mais enciumados quando vêem, ou pensam que sua companheira os está traindo sexualmente, e mais, em homens mais velhos o alvo da violência movida pelo ciúme tende a ser a companheira, enquanto que em rapazes jovens o alvo tende a ser o rival. Este nosso instinto de sentir ciúmes e, a partir dele, se comportar de forma mais agressiva que normalmente nos comportamos, explica (mas não justifica) o que aconteceu na madrugada do último sábado. Afinal, a vítima foi atacada até a morte por um rapaz enciumado com o possível “clima” que aconteceu entre ele e sua suposta namorada dentro da boate, que convocou colegas leais para ajudá-lo na vingança ciumenta.
Mas vale ressaltar que, apesar de o ciúme nos fazer agir de forma mais agressiva que o normal, nem todos nós esfaqueamos parceiras ou parceiros (sim, existem homicídios cometidos por mulheres movidas por ciúme) por causa disso. Neste caso de violência extrema, é necessário levar em consideração outros fatores que possam ter desencadeado uma resposta tão exacerbada. Talvez o agressor estivesse sobre o efeito de algum tipo de droga (fato que ainda não foi negado, ou confirmado), pois sabemos que determinadas drogas agem desbloqueando nosso “freio comportamental”, nos fazendo agir de forma mais agressiva que o normal; ou talvez ele possua de antemão uma estrutura de personalidade que naturalmente fomenta condutas agressivas, o que pode ser confirmado com base em seu histórico pessoal de brigas e/ou comportamentos anti-sociais manifestados ao longo da vida. As mesmas observações servem para os colegas que aceitaram participar deste crime. Friso que tais apontamentos são apenas hipóteses não confirmadas acerca destes possíveis desencadeadores do ciúme devastador, e que têm um caráter unicamente explicativo, não tendo por objetivo justificar o assassinato cometido.
Mas como lidar com uma motivação com propriedades tão violentas, e que é tão mais antiga que a própria humanidade? Antes de mais nada é necessário termos sempre em mente que, apesar de vivermos numa sociedade altamente desenvolvida, tendo acesso a tecnologias que permitem vigilância constante (como a câmera que filmou o assassinato), ainda assim somos regidos por impulsos primitivos instalados em nossos cérebros ao logo de todo o processo evolutivo, como por exemplo o ciúme. Diante disso, somos capazes de ter o bom senso de analisar melhor nossas empreitadas românticas, descobrindo que em um ambiente escuro, fechado, ao som de música alta, e rodeado de consumo de drogas lícitas (e às vezes até ilícitas), flertar com alguém desconhecido pode acabar muito mal. A nossa natureza que responde ao amor não está adaptada a esta configuração social atual de “ficar”. O amor é uma coisa séria, por isso, abordar alguém desconhecido, sobre o qual não sabemos nada acerca de relacionamentos passados, ou mesmo presentes, num ambiente potencialmente hostil (como numa boate), é algo que precisamos ao máximo evitar, pois nessas condições, não temos como saber – até para nossa própria proteção – se entre nossa ligação com alguém que à primeira vista parece “fantástico(a)” existe um potencial assassino se roendo de ciúme.

Referências:

BUSS, David. A Paixão Perigosa: Por que o ciúme é tão necessário quanto o amor e o sexo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
ESTADÃO. Três são detidos por suspeita de agredir jovem até a morte em SC. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,tres-sao-detidos-por-suspeita-de-agredir-jovem-ate-a-morte-em-sc,717273,0.htm
GAZETA DO POVO. Presos 3 suspeitos de agredir jovem até a morte em SC. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1124312&tit=Presos-3-suspeitos-de-agredir-jovem-ate-a-morte-em-SC

terça-feira, 10 de maio de 2011

Estou divulgando meu artigo publicado no jornal O GLOBO, versão eletrônica: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/05/10/culpar-ou-nao-culpar-os-jogos-eletronicos-violentos-924429452.asp

I should add that this text was reviewed by Professor Christopher J Ferguson of Texas A & M University who has accepted to read a english version of this article, that I sent for him via email. Thank you very much, Professor Ferguson!

Outra coisa, logo abaixo estão disponíveis as referências utilizadas para escrever este artigo:

1. FERGUSON, Christopher. The good, the bad and the ugly: a meta-analytic review of positive and negative effects of violent video games. Psychiatr Q, vol. 78, 2007.
2. FERGUSON, Christopher. RUEDA, Stephanie. CRUZ, Amanda. FERGUSON, Diana. FRITZ, Stacey. SMITH, Shawn. Violent video games and aggression: causal relationship or byproduct of family violence and intrinsic violence motivation?. Criminal Justice and Behavior, vol. 35, nº 3, 2008.
3. FERGUSON, Christopher. The school shooting/violent video game link: causal relationship or moral panic?. Journal of Investigate Psychology and Offender Profiling, vol. 5, 2008.
4. FERGUSON, Christopher. Blazing Angels or Resident Evil?: can violent video game be a force for good?. Review of General Psychology, vol. 14, nº 2, 2010.
5. FERGUSON, Christopher. OLSON, Cheryl. KUTNER, Lawrence. WARNER, Dorothy. Violent video games, catharsis, seeking, bullying and delinquency: a multivariate analysis of effects. Crime & Delinquency, vol. 20, nº 10, 2010.
6. FERGUSON, Christopher. "Video games are like smoking and lung cancer" and other urban legends in the violent video game debate. The Journal of Education, community, and values, vol. 11, issue 1, 2011. Disponível em: http://bcis.pacificu.edu/journal/article.php?id=761
7. MARKEY, Patrick. MARKEY, Charlotte. Vulnerability to violent video game: a review and integration of personality research. Review of General Psychology, vol. 14, nº 2, 2010.