quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

FELIZ 2011! MUITA SAÚDE, AMOR, SUCESSO E... DESEJO QUE VOCÊ USE MAIS SEU CÓRTEX PRÉ-FRONTAL LATERAL!



“Feliz Ano Novo! Muita saúde, amor, sucesso e... paciência!”. Esse é um voto de felicidade genérico, e comumente todos nós ouvimos algo parecido, na “Noite da Virada” (geralmente seguido por um aperto de mão, um abraço, um beijo, ou seja lá o que o clima de festa e a bebida permita expressar). Mas qual o mecanismo neural da paciência? Calma, calma! Primeiro é preciso entender porque é tão importante ser impaciente quando se trata de estudar as bases da paciência.
Você já teve paciência para pensar acerca da importância da paciência para a vida cotidiana? Desde a nossa infância, até a velhice, quantas vezes nos vimos e nos veremos obrigados a esperar pela realização de algum desejo. Quantas vezes não esperamos e acabamos escolhendo uma opção que futuramente se revelou insatisfatória, ou mesmo prejudicial? Quão paciente você está, neste momento, ao ler este texto, e quão impaciente você está, neste momento, por saber o desfecho do artigo?
Vejo a “paciência/impaciência” como uma contradição potencialmente capaz de definir nossa história. Desde acordar a ir deitar, escolhemos inúmeras vezes. Escolhemos levantar da cama, em detrimento de continuar dormindo; escolhemos escovar nossos dentes, em detrimento de manter a sujeita que nele acumulou desde a última escovação; escolhemos ir trabalhar em detrimento de ficar em casa... Todas essas escolhas envolvem ganhos imediatos, e também prejuízos imediatos. A questão é: “Quão rápido nós queremos ganhar e perder?”. A rapidez com que as escolhas são tomadas depende do nosso grau de paciência/impaciência no momento, logo, a existência ou não desta habilidade é capaz de modificar significativamente nossa vida, seja para melhor, seja para pior. Ai está a importância de conhecermos o mecanismo biológico responsável por controlar a manifestação deste fenômeno tão crucial em nossas vidas.
Vamos à pesquisa!
No estudo (publicado na Nature Neuroscience por Figner e colaboradores) era apresentado aos sujeitos duas opções: 1) Receber uma pequena quantia em dinheiro em pouco tempo; 2) receber uma quantia significativamente maior de dinheiro, após um período de tempo maior. Os pesquisadores utilizaram o método não invasivo de Estimulação Magnética Transcranial (TMS, sigla em inglês) para "bloquear" momentaneamente a atividade do córtex pré-frontal lateral dos sujeitos durante o experimento, e eles evidenciaram que, sob o efeito da TMS os sujeitos tendiam a escolher a opção que fornecia ganhos imediatos, em detrimento da opção que exigia paciência para receber maiores importâncias no futuro. Porém, após passado o efeito da TMS, os sujeitos tendiam a escolher a segunda opção.
Evidenciou-se que o córtex pré-frontal lateral é crucial na tomada de decisão que envolve adiar um pequeno ganho imediato em prol de um ganho futuro maior, ou seja, o Córtex Pré-Frontal Lateral é o substrato neural da paciência humana. Levando-se em consideração que o córtex pré-frontal é uma das últimas áreas cerebrais a ser completamente mielinizada, está explicado porque crianças e adolescentes são tão impacientes (cuidado para não confundir uma "explicação científica" com uma "justificativa", crianças e adolescentes TEM SIM que obedecer a certos prazos, e isso exige certo grau de paciência que, embora não seja uma capacidade plenamente desenvolvida em seus cérebros, pode muito bem se manifestar, com certo esforço).
Porém, o que ainda não se sabe é "como" e "o que exatamente" essa região cerebral realiza, para impedir que realizemos escolhas precipitadas. Porém, os pesquisadores acreditam que o papel do córtex pré-frontal lateral seja agir como um "controle" comportamental, "autorizando" ou não uma decisão tomada por outras regiões pré-frontais.
A questão é que o primeiro passo foi consolidado: descobriu-se a importância do córtex pré-frontal lateral no processamento da paciência. Podemos ficar mais tranquilos com essa descoberta inicial, mas não devemos ficar pacientes, afinal, como comenta o resenhista:

What causes lateral prefrontal cortex to be engaged during decision-making, why might it be engaged more in some decisions than in others and how does this computation affect processing in other brain regions? (p. 524)

E então... Quem será impaciente o suficiente para resolver algum destes enigmas no tempo mais curto?



Fonte: KABLE, Joseph. Just a little (lateral prefrontal) patience. NATURE NEUROSCIENCE, vol. 13, nº 5, 2010.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Que tal doar seu corpo para a ciência?


Como estamos em clima de festa e solidariedade, o que acha de fazer uma boa ação doando seu corpo para a ciência?
Que pergunta estranha, e aparentemente sem sentido! Afinal, quem iria querer doar seu próprio cadáver para a ciência, sendo exposto 100% despido e cortado por bisturis de uma centena de jovens estudantes curiosos pelo formato dos órgãos internos? Como se não bastasse, ainda seria necessário enfrentar todo o julgamento social negativo de parentes e colegas, que muito provavelmente desaprovariam a escolha, considerando-na, no mínimo, “uma loucura!”.
Pode parecer estranho, mas ao contrário de muitos países, na Holanda existe fila de espera para doação do próprio corpo para finalidades médicas. Por isso decidiu-se investigar a razão pela qual as pessoas desejam doar seu próprio cadáver (só para se ter uma noção, em 2008 o Centro Médico Universitário de Groningen recebeu 410 novos registros de pessoas motivadas a se doar para a ciência). “Loucura coletiva”? Provavelmente não... Mas estudar as razões pelas quais tantas pessoas tomam essa decisão era um objetivo muito interessante para se pesquisar.
Em Novembro de 2008, 996 pessoas do banco de dados para doação de corpos responderam a um questionário com o objetivo de levantar as razões pela qual eles decidiram doar o próprio cadáver.
A análise sociodemográfica revelou que 51% eram homens; 79% não eram religiosos(as), 25% eram profissionais da saúde; e 11% eram educadores(as), ou de alguma forma estavam relacionados à educação.
O questionário tinha 02 partes. Na primeira, os sujeitos deveriam listar livremente 1 ou 2 razões pelas quais tomaram tal decisão. Na segunda etapa eram listados diferentes motivos pelo qual o respondente provavelmente escolheu ser doador, que deveriam ser avaliados através de uma escala likert de 5 pontos, sendo 1 igual a "isso desempenhou um papel mínimo na minha decisão de doar meu corpo" e 5 igual a "isso desempenhou um papel definitivo na minha decisão". Os resultados demonstraram o seguinte: houve 3 motivações mais citadas; 1) Desejo de ser útil após a morte (p.ex.: querer contribuir para a ciência médica; querer ajudar outras pessoas); 2) Crenças pessoais negativas associadas a funerais (p.ex.: detestar rituais fúnebres); 3) Expressar gratidão (p.ex.: querer, de alguma forma, retribuir aos profissionais da medicina pelo que lhe prestaram durante os anos de vida; querer expressar gratidão pela vida e saúde). Claro, sempre há os mais capitalistas (neste caso, 8%) que assinalaram como principal motivação para doar seus corpos, o fato de o enterro ou cremação custar caro.
Contudo, a análise foi mais profunda. Conclui-se que a doação do próprio cadáver não é apenas um ato altruísta, mas que jaz sob esta decisão aparente um interesse egoísta, afinal, ao responder que prefere ser doado, a ser cremado ou enterrado, o respondente está inicialmente pensando em si próprio ("eu não gosto de funerais, eu quero o melhor para mim, e o melhor para mim é ser doado"); ao responder que deseja ser doado para economizar o dinheiro do funeral (como um dos respondentes disse: "Não quero dar aos profissionais da funerária a oportunidade de fazer dinheiro com a minha morte!") os sujeitos também estão inicialmente pensando em si e em sua família, pois deseja lhes poupar o dinheiro; alguns ainda escolhem doar o próprio corpo porque não desejam que "fulano" ou "cicrano" compareça em seu funeral (uma crença bastante disfuncional, por sinal); a maioria aponta como principal motivação para doar o próprio corpo, o fato de que poderão estar sendo úteis para a ciência, porém, essa utilidade geralmente está associada à alguma necessidade familiar (ou seja: "serei útil para descobrir o mecanismo fisiopatológico do Parkinson, e assim poder ajudar minha esposa que acabou de receber o diagnóstico").
Concluo esclarecendo o conceito de “Falácia Naturalista”, em que um “é”, não precisa necessariamente ser convertido em um “deve ser”, e que a explicação de um determinado fenômeno não o justifica. Logo, quero frisar que este interessante estudo evidenciou a razão pela qual as pessoas se motivam a doar o corpo à ciência, e esta razão (“Ser útil, mesmo após a morte!”) é e continuará sendo nobre, independente se a análise detalhada dos dados revelou haver motivos egoístas subsidiando.



Fonte: BOLT, Sophie. VENBRUX, Eric. EISINGA, Rob. KUKS, Jan. VEENING, Jan. GERRITS, Peter. Motivation for body donation to science: more than an altruistic act. ANNALS OF ANATOMY, vol. 192, 2010.

Uma Dieta Imaginária


Estou voltando a postar textos neste blog, após mais de um ano de dedicação praticamente exclusiva à finalização da graduação em Psicologia.

Eu não poderia voltar a escrever com um objetivo melhor... Acontece que na última quarta-feira fiquei fascinado com uma breve apresentação, no Jornal Nacional (Rede Globo), de um interessante estudo. Empolgado, fui atrás do artigo original da pesquisa, publicado na prestigiosa revista Science, no dia 10 de Dezembro (sim, há pouco mais de uma semana) por pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon – Pittsburg/USA, intitulado: “Thought for food: imagined consumption reduces actual consumption” (Tradução para português: “Pensando para comer: o consumo imaginário reduz o consumo atual”).

Mas o que tem de tão interessante neste estudo? Bom... Permita-me descrever o que foi feito.

Está claro que o consumo de alimentos reduz a motivação para ingerir mais alimentos. Chamamos isso de "ponto de saciedade". Porém, este estudo conseguiu apresentar um novo paradigma, uma nova forma de compreender a relação do homem com o alimento, ao evidenciar que não apenas a ingestão da comida reduz a motivação para se alimentar mais, como também o ato de imaginar estar se alimentando estimula a mesma sensação. "These results suggest that mental representation alone can engender habituation to a stimulus" (p. 1530).

Afinal, a imaginação e a percepção real diferem em alguns aspectos, porém compartilham circuitos neurais semelhantes, ativando emoções similares, e respostas motoras parecidas. Se imaginação e realidade têm mecanismos quase idênticos, talvez dê para se habituar a algum estímulo (como a comida) também em pensamento, não é?

Esta foi a hipótese dos pesquisadores, que foi posta à prova através de cinco experimentos diferentes (todos eles, juntos, compuseram este artigo).

O primeiro experimento foi realizado com 51 sujeitos. Eles deviam imaginar-se comendo 30 M&Ms (aqueles confetes de chocolate bem pequenos), um após o outro. A análise estatística (para quem entende disso, informo que utilizaram ANOVA) revelou que o grupo teste (ou seja, a parte dos 51 sujeitos que imaginou comer cada um dos 30 M&Ms) comeu significativamente menos M&Ms reais, em comparação ao grupo controle. O segundo experimento teve o mesmo número de sujeitos, e demonstrou que os participantes que imaginavam comer 30 M&Ms comiam menos M&Ms reais em comparação com aqueles que imaginavam comer apenas 3 M&Ms. Ou seja, a quantidade imaginada interfere na quantidade real consumida.

O terceiro experimento foi realizado com 68 sujeitos e concluiu que quando os participantes imaginavam colocar 30 M&Ms em uma tigela, eles comiam mais que quando imaginavam colocar apenas 3 numa tigela.

O quarto experimento foi realizado com 41 sujeitos, e desenvolvido para avaliar se a habituação era estímulo-específico, ou seja, se as pessoas ficavam habituadas mentalmente a algum alimento apenas se imaginassem o mesmo alimento antes de comê-lo. Para avaliar isso, parte dos participantes deveria se imaginar comendo Queijo Cheddar, enquanto a outra parte deveria se imaginar comendo M&Ms. O estímulo real que eles receberiam, ou seja, o que eles deveriam comer na sequência seria "Queijo Cheddar". Os resultados demonstraram que as pessoas que imaginaram comer o queijo, comeram significativamente menos em comparação com os que imaginaram comer M&Ms, provando que a habituação mental é estímulo-específico.

O quinto experimento foi realizado com 80 participantes diferentes, e projetado para evidenciar qual sistema era responsável pela habituação mental ao alimento: 1) o sistema liking (do "gostar"); ou 2) o sistema wanting (do "querer"). Os resultados demonstraram que o responsável pela habituação é o sistema "wanting", devido à diminuição do grau com que o sujeito deseja o estímulo, após a imaginação dele.

Segundo os autores, este estudo é importante por 3 razões: 1) demonstrou que a imaginação, sozinha, pode gerar habituação ao estímulo alimentar, e isso pode ser relevante para o desenvolvimentos de novos métodos no tratamento de compulsões alimentares, ou mesmo dependências químicas; 2) demonstrou que não é necessário haver o estímulo sensorial pré-digestivo para gerar habituação; 3) demonstrou que a imaginação repetitiva do estímulo pode engatilhar respostas comportamentais mais adaptativas.

Para mim, o mais fascinante neste estudo é que ele confirma aquilo que no ano passado eu tanto comentava (e que pretendo continuar frisando daqui para frente): algumas vezes, alta tecnologia e investimento financeiro milionário não são requisitos fundamentais para se produzir novos conhecimentos. Veja... Houve alguma mensuração hormonal? Eletrofisiologia? Imageamento Cerebral? Não! Apenas a avaliação da resposta comportamental diante da instrução fornecida, corroborada por uma análise estatística bem-feita, conferiu aos autores o privilégio de publicar seu artigo na revista científica com maior fator de impacto da atualidade, criando grandes possibilidades de ser uma fonte enormemente citada por diferentes áreas do conhecimento (Nutricionistas, Médicos, Psicólogos, Farmacêuticos, etc.) que irão, nestes anos futuros, aperfeiçoar a conclusão original desta pesquisa (aí sim será interessante a alta tecnologia, para identificar os mecanismos neurofisiológicos que controlam essa habituação). Mas o primeiro passo já foi dado... A “Dieta Imaginária” se tornou uma possibilidade real, através de um misto quase paradoxal entre humildade e ousadia!

Fonte: MOREWEDGE, Carey. HUH, Young. VOSGERAY, Joachim. Thought for food: imagined consumption reduces actual consumption. SCIENCE, vol. 330, 2010.