domingo, 26 de dezembro de 2010

Uma Dieta Imaginária


Estou voltando a postar textos neste blog, após mais de um ano de dedicação praticamente exclusiva à finalização da graduação em Psicologia.

Eu não poderia voltar a escrever com um objetivo melhor... Acontece que na última quarta-feira fiquei fascinado com uma breve apresentação, no Jornal Nacional (Rede Globo), de um interessante estudo. Empolgado, fui atrás do artigo original da pesquisa, publicado na prestigiosa revista Science, no dia 10 de Dezembro (sim, há pouco mais de uma semana) por pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon – Pittsburg/USA, intitulado: “Thought for food: imagined consumption reduces actual consumption” (Tradução para português: “Pensando para comer: o consumo imaginário reduz o consumo atual”).

Mas o que tem de tão interessante neste estudo? Bom... Permita-me descrever o que foi feito.

Está claro que o consumo de alimentos reduz a motivação para ingerir mais alimentos. Chamamos isso de "ponto de saciedade". Porém, este estudo conseguiu apresentar um novo paradigma, uma nova forma de compreender a relação do homem com o alimento, ao evidenciar que não apenas a ingestão da comida reduz a motivação para se alimentar mais, como também o ato de imaginar estar se alimentando estimula a mesma sensação. "These results suggest that mental representation alone can engender habituation to a stimulus" (p. 1530).

Afinal, a imaginação e a percepção real diferem em alguns aspectos, porém compartilham circuitos neurais semelhantes, ativando emoções similares, e respostas motoras parecidas. Se imaginação e realidade têm mecanismos quase idênticos, talvez dê para se habituar a algum estímulo (como a comida) também em pensamento, não é?

Esta foi a hipótese dos pesquisadores, que foi posta à prova através de cinco experimentos diferentes (todos eles, juntos, compuseram este artigo).

O primeiro experimento foi realizado com 51 sujeitos. Eles deviam imaginar-se comendo 30 M&Ms (aqueles confetes de chocolate bem pequenos), um após o outro. A análise estatística (para quem entende disso, informo que utilizaram ANOVA) revelou que o grupo teste (ou seja, a parte dos 51 sujeitos que imaginou comer cada um dos 30 M&Ms) comeu significativamente menos M&Ms reais, em comparação ao grupo controle. O segundo experimento teve o mesmo número de sujeitos, e demonstrou que os participantes que imaginavam comer 30 M&Ms comiam menos M&Ms reais em comparação com aqueles que imaginavam comer apenas 3 M&Ms. Ou seja, a quantidade imaginada interfere na quantidade real consumida.

O terceiro experimento foi realizado com 68 sujeitos e concluiu que quando os participantes imaginavam colocar 30 M&Ms em uma tigela, eles comiam mais que quando imaginavam colocar apenas 3 numa tigela.

O quarto experimento foi realizado com 41 sujeitos, e desenvolvido para avaliar se a habituação era estímulo-específico, ou seja, se as pessoas ficavam habituadas mentalmente a algum alimento apenas se imaginassem o mesmo alimento antes de comê-lo. Para avaliar isso, parte dos participantes deveria se imaginar comendo Queijo Cheddar, enquanto a outra parte deveria se imaginar comendo M&Ms. O estímulo real que eles receberiam, ou seja, o que eles deveriam comer na sequência seria "Queijo Cheddar". Os resultados demonstraram que as pessoas que imaginaram comer o queijo, comeram significativamente menos em comparação com os que imaginaram comer M&Ms, provando que a habituação mental é estímulo-específico.

O quinto experimento foi realizado com 80 participantes diferentes, e projetado para evidenciar qual sistema era responsável pela habituação mental ao alimento: 1) o sistema liking (do "gostar"); ou 2) o sistema wanting (do "querer"). Os resultados demonstraram que o responsável pela habituação é o sistema "wanting", devido à diminuição do grau com que o sujeito deseja o estímulo, após a imaginação dele.

Segundo os autores, este estudo é importante por 3 razões: 1) demonstrou que a imaginação, sozinha, pode gerar habituação ao estímulo alimentar, e isso pode ser relevante para o desenvolvimentos de novos métodos no tratamento de compulsões alimentares, ou mesmo dependências químicas; 2) demonstrou que não é necessário haver o estímulo sensorial pré-digestivo para gerar habituação; 3) demonstrou que a imaginação repetitiva do estímulo pode engatilhar respostas comportamentais mais adaptativas.

Para mim, o mais fascinante neste estudo é que ele confirma aquilo que no ano passado eu tanto comentava (e que pretendo continuar frisando daqui para frente): algumas vezes, alta tecnologia e investimento financeiro milionário não são requisitos fundamentais para se produzir novos conhecimentos. Veja... Houve alguma mensuração hormonal? Eletrofisiologia? Imageamento Cerebral? Não! Apenas a avaliação da resposta comportamental diante da instrução fornecida, corroborada por uma análise estatística bem-feita, conferiu aos autores o privilégio de publicar seu artigo na revista científica com maior fator de impacto da atualidade, criando grandes possibilidades de ser uma fonte enormemente citada por diferentes áreas do conhecimento (Nutricionistas, Médicos, Psicólogos, Farmacêuticos, etc.) que irão, nestes anos futuros, aperfeiçoar a conclusão original desta pesquisa (aí sim será interessante a alta tecnologia, para identificar os mecanismos neurofisiológicos que controlam essa habituação). Mas o primeiro passo já foi dado... A “Dieta Imaginária” se tornou uma possibilidade real, através de um misto quase paradoxal entre humildade e ousadia!

Fonte: MOREWEDGE, Carey. HUH, Young. VOSGERAY, Joachim. Thought for food: imagined consumption reduces actual consumption. SCIENCE, vol. 330, 2010.

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